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Enquanto o United vencia tudo, o City tentava sobreviver na terceira divisão

  

Bernardo Silva e Lindelof em ação durante um Derby de Manchester (Foto: Divulgação/Man.United)

Na temporada 1998/99, os times de Manchester viviam realidades completamente opostas. O Manchester United, sob o comando de Alex Ferguson, estava prestes a escrever um dos capítulos mais gloriosos de sua história. Com um elenco recheado de estrelas como Beckham, Scholes e Giggs, o clube dominava o futebol inglês e europeu, conquistando a Tríplice Coroa – Premier League, FA Cup e Liga dos Campeões. Do outro lado da cidade, o Manchester City enfrentava um dos momentos mais difíceis de sua trajetória. Longe dos holofotes, o time disputava a terceira divisão do futebol inglês, lutando para se reerguer e retornar à elite.

Naquela época, a rivalidade entre os clubes existia, mas não tinha o peso e a intensidade dos dias atuais. O United monopolizava as atenções, enquanto o City tentava reencontrar seu caminho. No entanto, as últimas décadas transformaram esse cenário. A ascensão dos Citizens, impulsionada por investimentos milionários e a chegada de Pep Guardiola, colocou o clube em outro patamar, tornando o Manchester Derby um dos duelos mais aguardados do futebol mundial. Se antes os Red Devils reinavam praticamente sozinhos na cidade, hoje a disputa é equilibrada, com o City acumulando conquistas e protagonizando grandes momentos no cenário europeu.

O lado vermelho

A temporada anterior e os novos reforços

(Foto: Ben Radford)

O torcedor do United não teve uma temporada 1997/98 fácil. O time passou em branco, sem conquistas. Na Premier League, brigou com o Arsenal até o fim, mas viu os Gunners se sagrarem campeões com 78 pontos, contra 77 dos Red Devils. Na Copa da Inglaterra, eliminou o Chelsea e Walsall, mas caiu para o Barnsley, no replay da quinta rodada. Por último, na Liga dos Campeões, uma eliminação precoce, logo nas quartas de final, para o Mônaco. 1 a 1 no agregado, fazendo com que a equipe do principado avançasse graças ao critério do gol marcado fora de casa. 

No papel, o time do Manchester United era extremamente forte, contando com Schmeichel, Gary Neville, Scholes, Roy Keane, Beckham, Giggs e Cole. Para a temporada 1998/99, vieram dois reforços de peso. Começando com o zagueiro Jaap Stam, do PSV, e o atacante Dwight Yorke, do Aston Villa, totalizando mais de 23 milhões de libras em investimentos. 

O United abriu a temporada 1998/99 disputando a Community Shield, já com Stam entre os titulares, além do retorno de Roy Keane, que havia ficado fora dos gramados por quase um ano. O adversário era o Arsenal que, em Wembley, não tomou conhecimento e venceu por 3 a 0.


Premier League

(Foto: Premier League)

A equipe começou a Premier League de forma oscilante. Nas primeiras cinco rodadas, conquistou apenas duas vitórias e sofreu nova derrota por 3 a 0 para o Arsenal. Naquele momento, o United ocupava apenas a décima posição na tabela.

Depois, embalou uma sequência de sete rodadas invictas, agora com cinco vitórias, subindo para a segunda posição. No final de novembro, derrota para o Sheffield Wednesday e mais um período de oscilação, com uma vitória, três empates, até sofrer novo tropeço, diante do Middlesbrough, em meados de dezembro, fazendo com que os Diabos Vermelhos caíssem para o terceiro lugar.  

A partir da 19° rodada, o time não perdeu mais. Fora de casa, goleou o Leicester e Nottingham Forest por 6 a 2 e 8 a 1, respectivamente. Ainda assim, o Arsenal fazia jogo duro e não largava o osso, com as duas equipes alternando no topo da tabela.

Na reta final do campeonato, com três rodadas restantes, o United bateu o Middlesbrough e assumiu a liderança da Premier League após o Arsenal perder para o Leeds. Ou seja, os comandados de Alex Ferguson só precisavam de mais quatro pontos para serem campeões ingleses. E foi exatamente o que aconteceu: os Red Devils empataram com Blackburn e venceram o Tottenham para conquistar o seu 12° título nacional, com 79 pontos, contra 78 dos Gunners.  

FA Cup

(Foto: Divulgação/Man.United)

Os Red Devils iniciaram sua campanha na Copa da Inglaterra na terceira rodada, vencendo o Middlesbrough por 3 a 1. Nas rodadas quatro e cinco despachou o Liverpool por 2 a 1 e o Fulham por 1 a 0.

Nas quartas de final, a missão foi mais complicada. Após um empate sem gols com o Chelsea em Old Trafford, a partida precisou de um replay, com o United vencendo em Stamford Bridge por 2 a 0. Na semifinal, era hora de encarar o carrasco Arsenal. No primeiro jogo, realizado em campo neutro, no Villa Park, 0 a 0. O replay foi realizado no mesmo estádio, e os Red Devils venceram por 2 a 1, garantindo a vaga na final após uma dramática prorrogação.

O adversário na grande decisão seria o Newcastle, de Alan Shearer no ataque, e era comandado por Ruud Gullit – os Magpies já haviam perdido a final da FA Cup na temporada anterior, sendo superados pelo Arsenal por 2 a 0.

Em um Wembley lotado, com mais de 79 mil torcedores, Alex Ferguson viu sua equipe sofrer um baque logo no início da decisão. Gary Speed acertou um carrinho em Roy Keane, que precisou deixar o campo aos oito minutos. Em uma troca ousada, Teddy Sheringham entrou no lugar do volante. Com isso, Solskjaer foi deslocado para a ponta direita, enquanto o camisa 10 passou a formar a dupla de ataque ao lado de Andy Cole.

A substituição surtiu efeito. Apenas 96 segundos depois de entrar em campo, Sheringham abriu o marcador em assistência de Beckham. Na etapa final, um erro na saída de bola dos Magpies, permitiu que Solskjaer fizesse a interceptação e encontrasse Sheringham dentro da área. O atacante fez o pivô para Scholes, que chegou batendo de primeira e sacramentou a vitória de 2 a 0 do Manchester United. Com o triunfo, o Manchester United conquistou pela décima vez o troféu da principal copa do país. 

Liga dos Campeões

(Foto: Uefa.com)

Vice-campeão da Premier League na temporada anterior, o Manchester United precisou disputar uma rodada de qualificação antes da fase de grupos. O adversário foi o LKS Lodz, da Polônia. No primeiro jogo, em Old Trafford, vitória dos mandantes por 2 a 0, já na volta, em solo polonês, empate sem gols.

Na fase de grupos, o sorteio não foi generoso com os ingleses, que caíram no “grupo da morte”, ao lado de Barcelona, Bayern de Munique e Brondby. Mesmo invicto, United terminou em segundo lugar, com dez pontos, contra 11 dos bávaros. Na época, apenas os dois melhores segundos colocados garantiam a classificação, e os Red Devils garantiram a classificação, juntamente com o Real Madrid.     

Nas quartas de final, o Manchester United enfrentou a Inter de Milão, que contava com nomes como Ronaldo, Pirlo, Simeone e Zanetti. Em Old Trafford, os Red Devils venceram por 2 a 0, com dois gols de Yorke em assistências de Beckham. No jogo da volta, os Nerazzurri abriram o placar, mas Scholes, já na reta final do confronto, garantiu o empate em 1 a 1, selando a classificação com um agregado de 3 a 1 para o time de Alex Ferguson.

Nas semifinais, outro gigante italiano estava no caminho: a Juventus de Zidane. No primeiro jogo, em Old Trafford, os Bianconeri lideravam até os acréscimos, quando Giggs, aos 47 minutos, marcou o gol de empate. No antigo Stadio delle Alpi, o United se viu em apuros quando Inzaghi anotou dois gols nos primeiros minutos. No entanto, em uma reação impressionante, Keane, Yorke e Cole viraram o placar para 3 a 2. No agregado, 4 a 3 e, de quebra, a primeira vitória da equipe na Itália, garantindo um lugar na grande decisão, que seria disputada no Camp Nou, em Barcelona.

Um velho conhecido da fase de grupos seria o adversário na final: o Bayern de Munique. Para o confronto, Ferguson tinha desfalques importantes, já que Keane e Scholes estavam suspensos por acúmulo de cartões. Blomqvist e Butt foram os substitutos, com Beckham deslocado para o lado direito. A partida também marcaria a despedida de Peter Schmeichel, que defendeu o United por oito temporadas.      

Logo aos sete minutos, Basler abriu o placar em cobrança de falta. O jogo foi amplamente dominado pelos alemães, que acertaram a trave duas vezes em tentativas de Scholl e Jancker, além de exigirem várias defesas de Schmeichel. Quando a partida se encaminhava para os minutos finais, Ferguson lançou Solskjaer e Sheringham no ataque, fazendo o United aumentar a pressão sobre o adversário.

O árbitro Pierluigi Collina havia sinalizado três minutos de acréscimos, até que o impossível aconteceu. Quando tudo já parecia decidido, aos 46 a zaga bávara não conseguiu afastar a bola e Giggs bateu para a frente, onde Sheringham estava no meio do caminho para desviar e empatar o jogo. Na sequência, Beckham cobrou escanteio, Sheringham tocou de cabeça, e Solskjaer, na pequena área, completou com o pé direito para decretar uma virada improvável.

Foi o segundo título europeu do Manchester United, que fez história ao ser o primeiro clube inglês a conquistar uma tríplice coroa – feito que só foi igualado pelo rival City na temporada 2022/23.  

O lado azul

Um time caótico

(Foto: Divulgação/Man. City)

A temporada 1997/98 marcou um dos piores momentos da história do Manchester City. Disputando a segunda divisão, o clube passou grande parte da campanha na parte inferior da tabela, resultando em um inédito rebaixamento à terceirona.

O cenário era caótico: nos dois anos anteriores, seis técnicos passaram pelo comando da equipe, enquanto o elenco, inchado com mais de 45 jogadores, gerava problemas financeiros. O clube não soube se precaver, pagando altos salários sem cláusulas de rebaixamento nos contratos, agravando ainda mais a crise

Mesmo com um cenário totalmente desfavorável e uma dívida de 13 milhões de libras, os Citizens ainda fizeram investimentos significativos no elenco que acabou sendo rebaixado. Um exemplo, foi a contratação do atacante Lee Bradbury, do Portsmouth, por 3 milhões de libras. Já o destaque do time, o georgiano Georgi Kinkladze foi convencido a permanecer em Manchester com um novo contrato.

Jamie Pollock, zagueiro do clube naquele período, destacou em entrevista ao Daily Mail, em 2012, como a má administração foi crucial para o rebaixamento do City.

“Eu tinha acabado de chegar do Bolton e havia dezenas de jogadores diferentes. O que aconteceu é que os outros treinadores haviam trazido seus próprios jogadores e o clube não foi rápido em se livrar deles. Isso não criou um ótimo espírito de equipe. Não foi saudável.”

O milagre da terceira divisão

(Foto: City Till I Die)

Para a disputa da terceira divisão, Joe Royle, mesmo após o rebaixamento, foi mantido no comando técnico. No entanto, nomes importantes como Kinkladze, Uwe Rosler e Kit Symons deixaram o clube antes do início da temporada 1998/99.   

Por ter vindo da segunda divisão, os torcedores esperavam que o clube fizesse uma campanha tranquila no campeonato. De fato, o início foi animador, com apenas uma derrota nas primeiras 11 rodadas. Porém, uma sequência ruim de resultados fez com que time acabasse o primeiro turno somente na 12° posição.

O ambiente no Maine Road era tão tenso que, com exceção do goleiro Nicky Weaver, o restante do elenco se trocava e aquecia no ginásio de uma escola, chegando ao estádio apenas na hora da partida.

Próximo do Natal de 1998, os azuis de Manchester perderam de 2 a 1 para o York City, um dos rebaixados naquela temporada. De acordo com Bernard Halford, ex-presidente do clube, o time estava no fundo do poço, sem qualquer perspectiva de melhora, e era apenas questão de tempo até a equipe desaparecer. Outros dirigentes compartilhavam a visão de que o time poderia fechar as portas.

Mesmo diante de um cenário totalmente pessimista, Joe Royle seguiu no comando e conseguiu liderar uma reação improvável no segundo turno. Com apenas duas derrotas, os Citizens subiram na tabela e terminaram em terceiro lugar, com 82 pontos, garantindo a oportunidade de disputar o playoff de acesso.

Drama nos playoffs

(Foto: Divulgação/Man. City)

Na semifinal, o City eliminou o Wigan, por 2 a 1 no placar agregado. O adversário da final seria o Gillingham. Em um Wembley com mais de 76 mil torcedores, tudo parecia se encaminhar para um empate sem gols, até que os Gills marcaram duas vezes em um intervalo de seis minutos.

Porém, em um roteiro muito semelhante ao do Manchester United, os Cityzens viram Horlock e Dickov marcarem nos acréscimos, levando o duelo para a prorrogação. No tempo extra, nada de gols. O torcedor azul teve que vivenciar o drama dos pênaltis, mas graças a Nicky Weaver – goleiro que chegou a ser apontado como futuro da seleção inglesa – o City venceu por 3 a 1, garantindo seu retorno à segunda divisão após Weaver defender duas cobranças.

Tudo isso aconteceu apenas quatro dias depois de o United conquistar sua tríplice coroa em Barcelona.

Jornalista freelancer que cobria o clube naquela época, Marc Ogden disse que o City era motivo de piada na Inglaterra devido à péssima administração. Para piorar, o Manchester United era o time mais forte do país. No entanto, ele também destacou que, com o retorno à segunda divisão, o clube conseguiu se estabilizar financeiramente, adquirir o City of Manchester (hoje Etihad Stadium) e que, caso os Citizens tivessem permanecido na terceirona, provavelmente não teriam como sobreviver.

No retorno à segunda divisão, o clube fez bonito, terminando com o vice-campeonato e garantindo um novo acesso, agora para a Premier League. A estadia na elite foi curta, com os Citizens sendo rebaixado logo na sequência, mas o título da segundona em 2001/02, permitiu que a equipe voltasse para a primeira divisão, onde se firmou no meio de tabela, até a chegada do Abu Dhabi Group em 2008. Com investimentos do Oriente Médio, o time passou por uma reformulação no elenco, contratou jogadores de renome mundial e se tornou um dos principais candidatos a títulos em todos as competições que disputa.

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