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O escândalo que ofuscou a glória: A manipulação de jogos do Olympique de Marseille e a mancha no título da Liga dos Campeões

Deschamps ergue a taça da Liga dos Campeões (Foto: UEFA)

O Olympique de Marseille, um dos clubes mais tradicionais do futebol francês, alcançou o auge em 1993 ao se tornar o primeiro time do país a conquistar a Liga dos Campeões. No entanto, essa glória foi manchada por um grande escândalo de manipulação de resultados no mesmo ano. Sob a presidência de Bernard Tapie, o OM foi acusado de subornar jogadores do Valenciennes para "aliviarem" durante uma partida do Campeonato Francês, garantindo a tranquilidade da equipe antes da final europeia. Esse esquema abalou profundamente o futebol francês, resultando na cassação do título nacional e no rebaixamento do clube.

Antes de falarmos propriamente daquela temporada, é importante voltarmos no tempo para entender o contexto que antecedeu esse escândalo. Em 1986, o empresário Bernard Tapie assumiu a presidência do Marseille. Nascido em uma família de classe média em Paris, fez grande parte de sua fortuna revivendo empresas que passavam por problemas financeiros. Também atuou como ator em um programa de TV, foi cantor e teve carreira na política, sendo uma vez deputado em 1989, além de ter sido ministro de estado de questões urbanas do presidente Français Mitterrand.

Apelidado de “Zorro dos negócios”, o magnata passou a investir pesado no clube com um objetivo claro: tornar-se a primeira equipe francesa a conquistar a Liga dos Campeões. Com isso, diversos nomes de peso desembarcaram no Vélodrome. Fabian Barthez, Marcel Desailly, Didier Deschamps, Enzo Francescoli, Abedi Pele, Eric Cantona, Jean-Pierre Papin e Rudi Voller, só para citar alguns deles.

No âmbito nacional, o OM dominou a Ligue 1, conquistando quatro títulos entre 1989 e 1992. No entanto, na Liga dos Campeões, o clube acumulou eliminações, como uma queda na semifinal diante do Benfica. Durante a temporada 90/91, os franceses chegaram na decisão do torneio, mas foram superados pelo Estrela Vermelha nas penalidades. Na edição seguinte, caíram logo na segunda rodada, diante do Sparta Praha.

Contexto explicado, chegamos à temporada 92/93. O Marseille fez grande campanha na Liga dos Campeões e chegou na final, onde enfrentaria o Milan. Uma semana antes da decisão, o OM, lider da Ligue 1 com cinco pontos de vantagem para o PSG, encararia o Valenciennes pela 36° rodada.

Vitória dos líderes por 1 a 0 com gol de Alen Boksic. Apesar do placar aparentemente comum, esse jogo deu início a um dos maiores escândalos do futebol francês. No intervalo, o lateral do Valenciennes, Jacques Glasmann, contou ao seu treinador que Jean-Jacques Eydelie e Jean-Pierre Bernes, jogador e diretor do OM respectivamente, teriam oferecido dinheiro para que ele “aliviasse nas jogadas”. A ideia era simples: com a vitória, o clube garantia o título antecipado e chegaria tranquilo para o duelo direto contra o PSG na penúltima rodada, além de evitar lesões antes da final da Liga dos Campeões contra o Milan.

Tapie celebra o título europeu (Foto: Divulgação)

No meio de toda essa polêmica, o Marseille rumou à Alemanha para a decisão da Liga dos Campeões. O Milan contava com jogadores como Maldini, Baresi, Costacurta, Rijkaard, Albertini, Donadoni e Van Basten, além de Fábio Capello como treinador. Mesmo diante deste esquadrão, os franceses se impuseram e, com um gol de Basile Boli perto da reta final do primeiro tempo, venceram por 1 a 0.

Uma investigação foi iniciada, e a polícia descobriu um envelope com 250 mil francos no quintal da casa da tia de Christophe Robert, atacante do Valenciennes. Jean-Jacques Eydelie, a pedido de Tapie, intermediou os contatos, com Robert aceitando o suborno. Jorge Burruchaga, campeão do mundo com a Argentina em 1986 e ex-companheiro de Eydelie no Nantes, também participou do esquema, mas mudou de ideia no meio do caminho e não recebeu o dinheiro. Glasmann, por sua vez, além de recusar a manipulação da partida, denunciou toda a fraude.

Ironicamente, no dia da partida contra o Valenciennes, já circulavam notícias na imprensa francesa sobre o suborno. Fingindo que nada havia acontecido, Tapie disse: “Estou enojado. É um linchamento e não há a menor prova de culpa.”

Acontece que a casa do Olympique de Marseille ruiu totalmente. A equipe teve seu título francês cassado e foi rebaixada para a segunda divisão. A UEFA manteve a conquista da Liga dos Campeões, mas foi excluída da edição seguinte do torneio e também perdeu sua vaga no Mundial Interclubes, com o Milan sendo o representante europeu para enfrentar o São Paulo.

A situação de Tapie já não era boa e piorou ainda mais quando Boro Primorac, técnico do Valenciennes, afirmou que o presidente do OM lhe ofereceu uma quantia significativa de dinheiro para que ele assumisse a responsabilidade pelo caso. Eydelie também declarou que Tapie tentou comprar o seu silêncio.

Mesmo negando qualquer envolvimento no caso, Tapie seguiu presidindo o OM até abril de 1994, quando foi obrigado a deixar o cargo, mas continuou como parte do conselho do clube. No ano seguinte, durante o julgamento do caso, o depoimento de Jean-Pierre Bernes afirmou que todo o esquema havia sido planejado no barco do mandatário em Marselha. O agora ex-presidente foi declarado culpado e, ao tentar recorrer da sentença, acabou sendo preso por oito meses.

Os outros envolvidos no caso, Robert e Burruchaga foram suspensos do futebol por seis meses. Eydelie, por ter sido o responsável pelos contatos, foi suspenso por um ano e viu sua carreira desandar, se tornando um andarilho da bola, passando por diversos clubes sem se firmar em nenhum. Por não aceitar participar do esquema, Glasmann recebeu o prêmio Fair Play da FIFA em 1995.

Mosaico da torcida do OM em homenagem a Tapie (Foto: Divulgação)

Sem espaço no futebol, proibido de concorrer a cargos políticos e falido, Tapie passou a atuar no cinema, estreando o filme Homens, Mulheres: Manual do Usuário. Colaborou na música C’est beau la vie de Doc Gynéco. Entre 2001 e 2005, apareceu em peças de teatro, além de uma participação na série Valence, em que interpretou um chefe de polícia. Em 2018, foi diagnosticado com câncer duplo (estômago e esôfago), até vir a falecer em 2021, aos 78 anos. Em nota, o Olympique de Marseille lamentou a morte do ex-presidente: "O Olympique de Marseille tomou conhecimento com profunda tristeza o falecimento de Bernard Tapie. Ele deixará um grande vazio no coração dos Marseillais e permanecerá para sempre como uma lenda do clube."

Após a morte do antigo presidente, a torcida do OM homenageou Tapie antes do duelo contra o Lorient. O mosaico tinha seu rosto, com uma estrela dourada, referente ao título europeu e os dizeres: “O chefe pela eternidade”. Durante o aquecimento, os atletas também utilizaram camisetas pretas com uma foto de Tapie.  

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