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O Anzhi, em sua época estrelada (Foto: Divulgação) |
O COMEÇO DE TUDO
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(Foto: Alchetron) |
O Football Club Anzhi Makhachkala foi fundado em 1991 pelo
ex-jogador Aleksandr Markarov. Em seu primeiro ano de existência, participou da
Liga do Daguestão, na qual foi campeã, vencendo 16 dos 20 jogos disputados.
Com o fim da União Soviética, o Anzhi passou a disputar a
terceira divisão russa em 1992, terminando em quinto lugar. Após conquistar o
vice-campeonato em 1996, o clube garantiu acesso à segunda divisão. Em sua
primeira temporada, ficou no meio da tabela, ocupando a 13° colocação. Um
jogador fundamental nesses anos iniciais do time foi o atacante Ibragim
Gasanbekov, que, em duas oportunidades terminou na artilharia da segundona, em
1993 e 1996, anotando 30 e 33 gols, respectivamente. No entanto, a carreira do
jogador foi interrompida em 1999, quando sofreu um acidente de carro e faleceu aos
29 anos.
Na temporada 1999, o clube sagrou-se campeão da segunda
divisão, com isso, pela primeira vez em sua história, disputaria a Premier
League Russa. Em seu primeiro ano na elite, o Anzhi fez bonito: com 52 pontos
conquistados, terminou na quarta posição. Destaque para Predrag Ranđelović,
artilheiro do time com 12 gols.
Após uma sólida campanha na Premier League em 2000, no ano
seguinte, o clube finalizou o campeonato apenas em 13° lugar, quatro pontos à
frente do Fakel Voronezh, primeiro time na zona de rebaixamento. Na Copa da
Rússia, surpreendeu e chegou até a decisão contra o Lokomotiv Moscou. Apesar de
ser derrotado nos pênaltis por 5 a 4, nem tudo foi tragédia. Como o time da
capital foi vice-campeão da Liga Russa, o Anzhi herdou uma vaga para disputar a
Copa da UEFA.
Participando de uma competição europeia pela primeira vez em
sua história, o Anzhi não foi muito longe, sendo eliminado logo no primeiro
playoff. Por estar situado no Daguestão, uma zona de muitos conflitos, a
partida contra o Rangers foi transferida para Varsóvia, na Polônia. Além disso,
foi realizado apenas um jogo, sem o confronto da volta no Ibrox Stadium. Em
campo neutro, diante de 4.200 torcedores, os escoceses venceram por 1 a 0, com gol
do zagueiro Bert Konterman.
Em 2002, após dois anos na elite, o clube acabou sendo
rebaixado, depois de terminar em 15° lugar na liga. A volta à primeira divisão
só ocorreu em 2010. Em seu retorno à Premier League, ficou na 13° posição. Porém,
foi a partir de 2011 que a história passaria a mudar no Anzhi.
OS INVESTIMENTOS
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(Foto: Divulgação) |
Suleyman Kerimov é um bilionário russo de origem do
Daguestão. Nascido em 1966, fez sua fortuna nos setores de energia e mineração.
Com uma vasta riqueza acumulada, ele comprou o Anzhi em 2011, com a ambição de
transformar o clube em uma potência europeia. Sob sua gestão, foram feitos uma
série de altos investimentos, contratando nomes consagrados, além de jovens
jogadores, com muito potencial.
O novo proprietário prometeu investir mais de 200 milhões de
dólares em infraestrutura, além da construção de um novo estádio, que
comportaria mais de 40 mil torcedores e atenderia a todos os requisitos da UEFA
– no final das contas, não houve estádio novo, apenas uma modernização da Anzhi
Arena, com sua capacidade sendo ampliada para 26.500.
A primeira grande contratação foi o brasileiro Roberto
Carlos, que veio sem custos do Corinthians. Os brasileiros Jucilei e Diego
Tardelli também chegaram ao clube, juntamente com o promissor Moubarak
Boussoufa, do Anderlecht.
Mas foi na janela do meio de temporada que Kerimov mostrou
não estar para brincadeira. Mehdi Carcela-González, Balász Dzsudzsák, Christopher
Samba e Yuriy Zhirkov desembarcaram na Anzhi Arena, totalizando quase 50
milhões de euros em transferências. A grande contratação foi anunciada em 23 de
agosto. Por 27 milhões de euros, Samuel Eto’o trocou a Inter de Milão pelo
Anzhi e, além disso, receberia o maior salário do futebol mundial – algo em
torno de 20,5 milhões.
Em campo, a situação foi meio turbulenta, com o treinador Gadzhi Gadzhiyev sendo demitido em setembro, após uma vitória nos últimos seis jogos, deixando o time na sétima posição. Roberto Carlos, juntamente com o assistente Andrei Gordeyev assumiu como interino. No final de dezembro, houve a bizarra passagem de Yuri Krasnozhan, que durou apenas dois meses e não comandou a equipe em nenhuma partida. O experiente Guus Hiddink veio para colocar ordem na casa e levou o Anzhi à quinta posição, garantindo os Águias na segunda eliminatória da Liga Europa. Na Copa da Rússia, uma eliminação nas oitavas de final, diante do Dinamo de Moscou.
Para a temporada 12/13, o clube inaugurou sua academia de juniores, a primeira no Daguestão, com o objetivo de revelar jogadores para o time principal e seria supervisionado por Jelle Goes, ex-coordenador de base no PSV, além de ter passagens como técnico pela Estônia e no time B do CSKA.
Os reforços não pararam de chegar. Por 18 e 5 milhões de
euros, respectivamente, foram contratados Lacina Traoré e Lassana Diarra. Além
disso, mais um grande nome estava prestes a ser anunciado. O brasileiro
Willian, que estava no Shakhtar Donetsk, chegou ao clube russo por 35 milhões
de euros, sendo a contratação mais cara daquela janela de transferências.
Em seu retorno às competições europeias, o Anzhi não teve
problema nos playoffs e atropelou todos os seus adversários. Eliminou o Budapest
Honvéd, Vitesse e AZ Alkmaar. Com isso, entrou no grupo A, ao lado de
Liverpool, Young Boys e Udinese. Avançou em segundo lugar, com dez pontos, mesma
pontuação dos ingleses. Nos 16 avos, despachou o Hannover 96, mas foi eliminado
na fase seguinte para o Newcastle, perdendo de 1 a 0 no placar agregado.
Na Liga Russa, a equipe teve um grande início de temporada,
com apenas uma derrota nos primeiros 12 jogos e ocupava a liderança. Porém, no
segundo turno, o desempenho caiu, terminando em terceiro lugar, que garantiu
novamente uma vaga na Liga Europa. Na Copa da Rússia, chegou até a decisão, mas
foi derrotado nos pênaltis por 5 a 4 para o CSKA.
O DESASTRE
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(Foto: Divulgação) |
Os principais investimentos para a temporada 13/14 foram dois
jogadores russos. Aleksandr Kokorin e Igor Denisov chegaram por 19 e 15 milhões
de euros, respectivamente. Também houve o retorno de Cristopher Samba, que
estava defendendo o QPR da Inglaterra.
No entanto, a temporada começou de maneira desastrosa para o
clube. Guus Hiddink pediu demissão, e seu auxiliar, René Meulensteen assumiu o
cargo de treinador, que durou 16 dias até ser mandado embora. A equipe estava
na zona de rebaixamento, não havia vencido nenhum jogo no primeiro turno do
Campeonato Russo, além de ter sido eliminada logo de cara na Copa da Rússia pelo
Alania.
Além dos resultados trágicos dentro de campo, Kerimov
adoeceu após uma derrota em casa para o Rostov, pela quarta rodada da liga.
Tudo isso foi o suficiente para que o bilionário se irritasse e colocasse todo o
elenco à venda. Alguns dias depois, em nota divulgada pelo clube, foi anunciada
uma mudança na política de gastos, devido ao Fair Play Financeiro. A prioridade
agora seria o uso das categorias de base. Quanto aos grandes nomes, houve ainda
uma alfinetada, afirmando que as conquistas esportivas não foram alcançadas e
que o péssimo desempenho do time na temporada comprovava isso.
Kokorin sequer estreou, Denisov fez três partidas, e ambos
foram vendidos ao Dinamo Moscou, juntamente com Zhirkov e Samba. Logashov, Boussoufa
e Diarra rumaram ao Lokomotiv Moscou. Shatov foi para o Zenit. Traoré partiu
para o Mônaco. O Chelsea levou Eto’o a custo zero e pagou 35 milhões de euros
por Willian.
Com um time esfacelado, não deu outra. O Anzhi caiu como
lanterna do Campeonato Russo, conquistando apenas três vitórias. Com 20 pontos
somados, foi a pior campanha de um último colocado no futebol europeu naquela
temporada. Na Liga Europa, ainda teve um pouco mais dignidade. Em grupo com
Tottenham, Sheriff e Tromso, passou em segundo lugar, com oito pontos.
Despachou o Genk nos 16 avos, mas foi eliminado nas oitavas pelo AZ Alkmaar.
Agora, sem grandes investimentos e na segunda divisão, o
time somou 71 pontos, terminando com o vice-campeonato, que garantiu o retorno
imediato à elite. Sobre o elenco, havia os brasileiros Ewerton e Léo Souza.
Cria da base, o zagueiro Ali Gadzhibevok foi um dos poucos remanescentes e
passou a capitanear a equipe. Destaque também para o marfinense Yannick Bolly,
que veio por 600 mil euros do Zorya e acabou a temporada com 16 gols em 24
partidas.
Na elite, foram mais quatro temporadas, mas sempre brigando
contra o rebaixamento, sendo que a melhor posição foi um 12° lugar. Alguns
nomes conhecidos passaram no clube durante esse período, como o centroavante
Hugo Almeida, de longas passagens por Werder Bremen e Besiktas, além de ter
disputado duas Copas do Mundo com Portugal. Xandão, Jonathan Mensah, Gabriel
Obertan, Lorenzo Ebecilio e Ivo Ilicevic também defenderam os Águias durante a
primeira divisão.
O SILENCIOSO ESQUECIMENTO
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(Foto: Divulgação) |
Com o time totalmente largado, Kerimov vendeu o Anzhi para
Osman Kadiev no final de 2016. O novo mandatário havia presidido outro time da
cidade, o Dinamo Makhachkala. A promessa de Kadiev era desenvolver o futebol local
e dar chance a atletas do próprio Daguestão. No comando técnico, já houve
mudança, com o técnico Pavel Vrba e toda a sua comissão técnica sendo
demitidos.
Com um novo proprietário, a torcida do Anzhi tinha, ao
menos, a esperança de contar com um elenco mais competitivo, que não brigasse
apenas contra o rebaixamento. Porém, no mês seguinte à conclusão da venda, já surgiram
os primeiros problemas. Os salários estavam atrasados, e todos os jogadores
foram autorizados a procurar outros clubes, sendo liberados de graça. Quem
permanecesse, não teria garantia de receber o que estava em atraso.
A situação não foi bem explicada e, em um breve comunicado
no site, os diretores afirmaram que estavam trabalhando em novos objetivos,
incluindo as questões financeiras, por isso, a necessidade de negociar atletas.
Também foi lembrado que frequentemente as equipes russas sofrem com problemas
financeiros.
Na temporada 17/18, a equipe terminou em 14° lugar e
precisou disputar um playoff contra o Yenisey, terceiro colocado da segunda
divisão. No placar agregado, o Anzhi perdeu por 6 a 4, mas escapou do
rebaixamento graças ao Amkar Perm, que teve sua licença profissional revogada e
não poderia disputar as duas primeiras divisões do país.
Mesmo com a sorte ao seu lado e conseguindo permanecer na
primeira divisão, o Anzhi realmente fez força para ser rebaixado. A queda foi
consumada na temporada 18/19, quando terminou o campeonato na 15° posição. Com
apenas cinco vitórias, somou 21 pontos, ficando distante 12 pontos do Dinamo
Moscou, o primeiro fora da zona de descenso.
O rebaixamento era o calvário do Anzhi? Não, já que a
situação ainda pioraria. Em maio de 2019, o diretor geral, Absalutdin
Agaragimov, anunciou que o clube não havia conseguido o licenciamento da
Federação Russa. Mesmo que coubesse recurso, eles não apelariam da decisão e ficariam
fora da disputa da segundona. As opções restantes eram jogar a terceira divisão
ou declarar falência.
Com um elenco extremamente jovem, o clube optou por jogar a
terceira divisão. Com jogadores do sub-20 compondo a equipe principal, a média
de idade era de 20,88 anos. Como era de se imaginar, a campanha foi péssima,
terminando na penúltima posição – e só não foi rebaixada graças ao campeonato
ter sido encerrado antes, devido a pandemia de COVID-19. Na temporada seguinte,
ainda na terceirona, um pouco mais de sossego, ao ficar na sexta posição, com
51 pontos.
Durante a temporada 21/22, o Anzhi chegou a ocupar a
liderança da tabela por cinco rodadas seguidas, mas não manteve o ritmo e
terminou apenas na sétima posição. No entanto, os Águias foram punidos com a
perda de seis pontos por causa das dívidas acumuladas e caiu para o nono lugar.
Sem conseguir os requisitos mínimos para continuar na disputa da terceira
divisão, o clube teve sua presença negada pela organização da liga e perdeu seu
status de time profissional.
Afundado em dívidas e ao invés de seguir no futebol amador,
o Anzhi optou por encerrar suas atividades ao final da temporada 21/22. O
último jogo oficial foi diante do Rotor 2, uma vitória de 4 a 0, fora de casa,
no dia 5 de junho.
Abaixo, o comunicado divulgado pelo clube.
“O Anzhi fez todos os esforços possíveis para garantir o
licenciamento e esperava um resultado positivo. A administração entende a
recusa e avalia as condições financeiras do clube. Todos os esforços foram
feitos para pagar as dívidas. Infelizmente, sem o apoio de patrocinadores e
parceiros, isso não foi suficiente.
O Anzhi agradece a todos que contribuíram para a história do
clube. Obrigado a todos que acompanharam seu amado time ao longo dos anos e
acreditaram fielmente no melhor. Gostaríamos de agradecer a todos os jogadores,
treinadores e funcionários que representaram as cores do Anzhi com honra e
dignidade, nos campos da Rússia e da Europa. Lembrem-se: enquanto o nome do
Anzhi permanecer no coração dos torcedores, o clube viverá. Acreditamos que
esse não é o fim e, um dia, o Anzhi retornará. Um dia essa estrela acenderá
novamente e brilhará ainda mais.”
Veja o vídeo de despedida que o Anzhi postou em suas redes
sociais.